The October Break 2021 | dia 28
palavras: aventura
ninguém imagina os quilómetros que os sem-abrigo calcorreiam todos os dias.
lido numa reportagem há mais de uma década. nunca mais o esqueci. não tem nada a ver com aventura. o que tem a ver é que eu um dia, para enfrentar os meus medos, atravessei o jardim do Campo Grande num domingo, às oito da manhã. a cidade dormia e, para meu espanto, os sem-abrigo que por lá pernoitam já tinham desaparecido. tenho medo dos que se drogam, pois o sofrimento que deve ser um desmame forçado, pode deixá-los desesperados e torná-los violentos. lembro-me de uma rapariga que andava a pedir para o namorado e eu disse-lhe que não. e ela disse: tenho fome! e eu que sei o é ter fome, voltei para trás e dei-lhe quase dez euros. dei-lhe tudo o que tinha no porta-moedas. tinha um quarto para viver, num prédio devoluto. era uma residência para raparigas, num quinto andar, na 5 de Outubro, do lado de Entrecampos, ainda no tempo da Feira Popular, o que me presenteava com os mais belos nascer do sol. sempre me senti segura em Lisboa. antes de viver na Mouraria, andei por Alfama nos santos populares, com um grupo de amigos. e voltei a pé sozinha, para a 5 de Outubro: Rossio, Restauradores, Av da Liberdade, Fontes Pereira de Melo, Av da República, Campo Pequeno, Entrecampos, 5 de Outubro. a minha alma pertence a Lisboa, sempre que a calcorreio que uma mornura uterina me envolve.
texto no âmbito do desafio The October Break 2021.