não se tem sorte, nem azar.. tem se o que se fizer das circunstâncias.
eu vivi quase dois anos numa residência para meninas, num prédio devoluto. o elevador estava avariado, não havia luz nas escadas, havia degraus partidos (eu usava sempre as escadas confiante que estava protegida) e a residência era no quinto e no sexto andar. pagava vinte e sete contos por um quarto individual. ganhava quarenta contos na altura. senti na pele o racismo, o que me deixou perplexa, e que ainda hoje não entendo. eu era a única branca naquele piso. lembro-me de uma vez me terem chamado de branca como se fosse um insulto. eu sorri para com os meus botões, eu vivia nas mesmas condições que elas e elas não viam isso.
na empresa, lembro-me de uma ucraniana me dizer, com desdém, que eu tinha muita sorte e uma vida fácil. não se tem sorte, nem azar.. tem se o que se fizer das circunstâncias. essa ucraniana pediu-me que lhe comprasse o dicionário de ucraniano-português e português-ucraniano. e eu quis ajudar, mas já não tinha dinheiro para aquele mês. a minha mãe comprou-o com grande esforço financeiro. ambas sabíamos a importância que iria ter para ela e para o marido, e para todos os que dividiam o apartamento com eles. ninguém sabe nada sobre ninguém para disparar opiniões sobre a vida alheia. essa parte ainda me magoa.